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Instantâneos 3

Instantâneos 3

 

      

 selecção

 

Na sala onde sentado leio a luz

Estou voltado de costas para o dia.

  

 

Aqui      sol encoberto com abertas

- Onde será que chove poesia ?

 

   I

 

 

 

Fada madrinha      fá-lo voltar

Menino ainda      entrou no mar.

 

Senhora minha      de par em par

Desenha e abre      portas no ar.

 

Por uma delas      menino ainda

Há-de chegar.

 

Fada madrinha      senhora minha

Triste menino      fá-lo voltar.

 

  

                     II

 

 

 

Menino lindo e triste

Colhendo pedras na praia

Lançando-as      depois      ao mar.

 

 

 

Do outro lado      ruínas do hábito

A falta sem sabor de qualquer coisa.

 

 

O frio diminui. O sol aquece.

 

 

 

 

 

É na teia que teço que te minto

É na teia que teço que te apago

Para que sejas sol no papel branco

E seja só real o que imagino.

 

 

 

 

 

 

A casa que não mudei.

Móveis imóveis.

Discretamente acrescentei

Coisas  pequenas.

Discos      livros      e plantas que me deram

Como a casa que herdei.

Não tocar na graça

Não quebrar o cristal transparente

Não morder a hóstia

Mas sim deixá-la

Desfazer      lentamente.

 

 

 

Não falemos de nós mas da filosofia

Que é o vento passando

Ou a morte da flor.

 

 

Não falemos de nós mas da palavra

Que mascara e nos diz.

 

 

 

 

 

Alguma coisa em mim que não é corpo

Vê      à distância de não ver.

 

 

Alguma coisa em mim que vê sem ver

Vê      sem dizer.

 

 

Pensamento      é seu nome.

 

 

                              I

 

 

Presente sou onde presente estás.

Te oiço e te respondo      mas contemplo

Sem lembrança ou desejo.

 

 

Moreno de branco      cavaleiro de paz

Asas nos ombros e na montada.

Clássico rapaz.

 

 

 

 

                             II

 

 

De tecer o texto se trata

O tecido apetecido

O tapete do tempo de passá-lo.

 

 

De te aguardar se trata

Em ulisseia teia.

 

 

 

Falo.

 

 

 

                  III

 

 

 

Se não fora o poeta

Não existira o anjo.

 

 

Se não fora o poema

Não existira o mito.

 

 

Se não fora a palavra

Não existira o corpo.

 

   

 

                           IV

 

 

Porém      que do poema nada reste

Que da palavra reste só a renda

Silenciosa      esburacada e velha.

Para outros terás nome

Mas      para mim      anónimo serás.

 

 

 

                        V

 

 

 

Silenciosa é a luz que me deixaste

Silenciosa é a luz que volta chama

Quando tu voltas      sempre

Pela primeira vez.

 

 

 

 

Desdobraste a toalha sobre a mesa

Para que fosse branco o copo de cristal

Por quem      sem lhe tocar      bebesse o dia.

 

 

  

 

                               II

 

 

 

Sobre a mesa quadrada      uma toalha branca

Sobre a toalha branca      o copo de cristal

No copo de cristal      uma réstia de sol

E na réstia de sol      o sabor da penumbra.

 

 

 

  

                       III

 

 

 

No meio-dia apareceu a casa.

Quando o ser é sem sombra

E a luz cai da taça.

 

 

 

                                  IV

 

 

 

Na brancura da casa      não há fora nem dentro

A nascente uma porta      aberta para a terra

E a janela      a  poente      aberta para o mar.

 

  

  

                               V

 

 

Da terra vem o canto da passagem

E do mar o cantar de sempre o mesmo.

 

 

 

 

                       VI

 

 

 

Aéreo canto d’impossível asa

Amargo canto de revolta vaga

Calado branco de penumbra casa.