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Instantâneos 1

Instantâneos 1

 

  (Seleção)

                           I 

 

Da janela do meu gabinete     vejo

O dorso de uma Lisboa cor de rosa     onde

Caixote desponta     habitação.

 

 

Por baixo     o nome     Aviltamento

Mas por cima     contemplo

O céu azul atravessado por

Discreto fio eléctrico. 

 

                              II

  

 

A mesma de sempre     aqui     em Portugal

Pequena janela rectangular e vertical moldura

Parede rosa seca     onde a chuva designa

 A rosa húmido     incógnita figura.  

  

                             III

  

 

Hoje     a meio dia     na parede em frente da janela

É o sol     o poeta     e não a chuva.

 

 

E o sol     a luz e sombra     geometriza

A rosa superfície da parede.

   

                             IV

 

 

 

A parede

Depois o terraço que não vejo mas percebo     entre

A parede

E a sua progressão com janela     e final em telhado.

 

 

E a janela da parede     reflecte

A janela moldura     do meu olhar pousado.

  

 

 

                              V

 

  

Montado numa esfinge     desço a parede rosa

Vou envolto de preto     em tibetana pele

E o mito engalanado     a pluma de avestruz.

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

  

                             VI

 

 

 

 

Uma saia andaluza sobre a casa.

 

 

 

E rugindo e rasgando     um avião não voa

- Passa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                           VII

 

 

 

 

Instante é a gota da chuva

No fundo rosa da parede vista.

 

 

A chuva que vejo     sinto     ouço     toco

E retendo

Desprendo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                           VIII

 

 

 

 

Pela tarde

Pelo sol de Janeiro

Pelo céu do Areeiro

Uma neblina serpentina.

 

 

Apenas sem a palavra     através da neblina

Ser a tarde     o sol     o céu     Janeiro     o Areeiro

E serpentina.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            IX

 

 

 

 

O nevoeiro

A rosa muro

A janela quadrada

A cortina unicorte

A roupa     do arame à humidade.

E na parede rosa     o relevo discreto da canalização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                             X

 

 

 

 

Fumega a chaminé da padaria.

 

 

 

Num pano de parede sem disfarce

O pôr do sol     na cor do fim do dia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            XI

 

 

 

 

Subitamente     o sol pousou na tarde

Pequeno adágio     pela janela aberta.

 

 

Calorífero eléctrico     e pousar de pena

Subitamente     sobre a folha branca.

 

 

 

 

O tempo trapo     de pôr ao pescoço

O tempo terra     de fazer a lavra

O tempo sem porquê     de ser um moço

No capricho desenho da palavra.

              

 

 

Ai     quando começa mas     ai  quando logo se levanta

Eleu

Para calar     na palavra     o amor proíbido

 

Quando     no divã recostado     a perna bota cruzada

É batuta a cavalo     imaginando o rítmo

 

Quando tudo faz parte do acontecimento

E     aquilo     tem lugar

Num canto do canto da branca telamundo

 

Quando se pára e fica vendo o relógio parado

Quando parte me preferes     outro que sou

No todo rejeitado

E no canto do envelope     me desenho encarnado

 

Ai     músculo de música da musa de musgo

No braço jogador do diadisco

 

 

Perco o desgosto de perder

E a perda se precipita num salto pneumático

De quem perde uma só das suas sete vidas

 

Mas porquê repetir

Ai     tu és apenas um instrumento

Do sopro de teu corpo     em sua animação

 

E     ao calar na palavra o amor proíbido

Apenas acontece     docemente

Apetecer-me     adormecendo     pôr-te fim.

 

 

 

 

Todo o canto é memória do encanto

Nem o seu limiar     nem o seu lar

Apenas seu exílio.

 

 

O poeta começa na criança

Que leva     por um fio     uma lembrança.

 

 

 

 

                               I

 

 

 

 

 

A vida do poeta depende do papel e da caneta

Quando já     não depende da memória.

Por isso     o poema da tarde já não é

O poema calado no dentro da manhã.

 

 

 

Mas ficou     da memória     por lembrança

A mãe a falavar a cabeça da criança

Com chá de camomila.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                             II

 

 

 

 

 

Dentro de mim enjoa a mista arquitectura

Da uva e da erva.

Onde o estilo     saber silêncio da obra no lugar

Atinge o ponto sem.

 

 

 

Não mais haver lugar para o ribeiro

Onde se faz a casa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            III

 

 

 

 

 

-E se o poema começa

Onde a vontade cessa ?

 

-E se o poeta é um médium que medita

O poema ditado ?

 

 

Escrever     sem ler.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                             IV

 

 

 

 

 

Seis farois de três barcos     assinalam o mar

Em sua negra vaga consentida

Para caber aos astros um lugar.

 

 

E a flor carmesim     persiste no quintal

Da casa     da memória     do local.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                             V

 

 

 

 

 

O quarto secreto do Barba-Azul     na praia

É o lugar donde se vê     roupa a secar

Numa corda     num terraço     contra o mar.

 

 

A dança das cores na frescura do limpo.

O que fica por dizer     rasteja     não agarra.

Ao lado     há dois rapazes tocando uma guitarra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            VI

 

 

 

 

 

Pôr     na lonjura do dia

Dia a dia na lonjura do momento

A sabedoria:

É no desejo que mora o sofrimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                            VII

 

 

 

 

 

Foi a teu lado     sem te ver

Perguntei o que era natural.

 

 

Foi a teu lado     porque te vi

Distante e sem falar     me respondeste.

 

 

Na praia     para lá de toda a gente

Mancebo e marginal.

 

 

E porque me tivesses respondido

No mesmo dia     dali te foste embora.

 

 

 

 

 

 

 

 

                           VIII

 

 

 

 

 

Açoteia é o terraço

Alpendre     o peristilo

E confirmam-se os nomes

Buganvília trepando pela casa

Balaustrada entre o banco     a árvore     e o mar.

 

  

 

 

 

 

                             IX

 

 

 

 

 

O teu sorriso no aforismo da palavra passatempo.

A tua descrição     com a palavra e a mão

Da janela sevilhana na Rocha de Portimão.

E depois     já na sala     de regresso à conversa

O morno fingimento dos actores.

No passatempo.

Sem miradores.

  

 

 

 

 

                            X

 

 

 

 

 

Cabeça francesa de uma oval com pêra

Blue jeans e suspensórios sobre a camisa branca.

 

 

É preciso reconstituir o encontro da visão

O tronco no direito da coluna vertebral.

 

 

E depois     para sempre     retrato que já vi.

Ponto de interrogação no jovem Debussy.

 

 

  

                            XI

 

 

 

 

 

Eu vi dois vultos de cabeça branca e de roupa corada

A baloiçarem do já visto     numa açoteia noite.

 

Um dos vultos era     a senhora da casa.

 

 

   

 

                           XII

 

 

 

 Um após outro foram perdendo a tinta

Os desejos do prazer da luta primitiva.

 

 

Corpo a corpo     no sabor do mesmo.

 

  

 

                           XIII

 

 

E gozei sobre a areia     na praia deserta

Pela primeira vez     no último dia.

 

 

No só tão sol que nem sabor     a sabedoria.

 

 

  

 

                             I

 

 

 

Duradoiro pretexto do repouso

Seara mar     onde navegam árvores.

 

 

   

 

                             II

 

 

 

Lírico par     de cavalos ao vento.

 

Depois     o seu olhar baixou e viu

Dois sobreiros no canto da seara.

  

 

                              III

 

 

 

Sua palavra     corpo inteiro perto.

Em sua nuca     tua mão carícia.

Aura do mar     em seu olhar aberto.

 

 

                              IV

 

 

 

Na seara sem vento     o sol a pino.

Atravessa calor sua palavra

Dorme sombra     seu corpo de menino.

 

 

 

  

  

                             V

 

 

 

Da palavra sem lastro     nem rasto nem fio.

Perdurava o sabor da noite partilhada

Em passeio de rua e mirante de rio.

 

  

   

                            VI

 

 

 

Na memória da terra que foi praia

Na soleira da porta     pela sombra

Cinco pedras na mão de uma criança.

 

 

 

 

   

                            VII

 

 

 

Pela palavra é que resiste ao gesto

Sem que o gesto se diga na palavra

- Que triste é sua mão em si pousada !

 

  

   

                           VIII

 

 

 

Deitado nu     ele era belo e cego.

 

Um homem que passava aproximou-se

E repousou no calor do seu corpo.

 

 

  

 

 

                             IX

 

 

 

Perpassa sua mão pelo teu rosto.

Repousa sua mão perto da tua.

 

O sereno sabor do prazer que flutua.

 

 

                               X

 

 

 

Do teu desejo fez     vergonha tua

Pudor e culpa     na distância muda.

Mas sentado a teu lado repousava

Quando passava     a procurar a Lua.

 

 

 

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