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Fragmentos...

Fragmentos...

                  

 

        (seleção)

  

A palavra lógica é a palavra que perdeu a inocência do ouvido, tombada na vista, sentido do pecado, isto é, da falta, da insatisfação, do desejo e, pois, do sofrimento.

Ver é escolher.

A palavra coagida, no acto caída.

Ver é já fazer.

Ouvir é ser.

 

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A visão é o princípio da geometria e, com ela, da pluralidade, princípio da lógica. De ver se estende a mão para tocar; de ver se leva à boca por saber.

No ouvido, imagem e ideia, mythos e logos são, ainda, um só, o mesmo e, por isso, nem um nem o outro.

No ouvido, a palavra não tem nome. Inidentificada, não é lógica. Não sendo lógica, não é outra coisa. Irreflectida, é silêncio. O canto da musa é ilógico: canção sem palavra.

No sentido do ouvido, a sensação é silenciosa, por ilógica: nem imagem, nem ideia. Não, a imagem da visão, a essência do olfacto, o sabor do paladar e o corpo do tacto.

Essencialmente, a palavra lógica é a palavra gráfica e a palavra mítica, a palavra fonética. Gráfica, a vista é o primeiro sentido da palavra lógica. Fonético, o ouvido é o primeiro sentido da palavra poética.

 

 

Razão é o nome de um equívoco que, por inconfesso axioma negativo sobre a imitação, motivou que a mesma fosse votada ao ostracismo, como nome proibido no vocabulário do senso comum filosófico.

Por trás da máscara lógica, o homem aparece, nuamente, como símio gramático. Por seu género simiesco,o homem é (genericamente) um ser mimético. Só especificamente o mesmo homem é o ser lógico ou ser da palavra discursiva.

Mas a reflexão, que é ser palavra, é, ela mesma, imitação. Imitação reflexiva. Imitação da sua própria imagem num espelho ideal. Imitação sob pseudónimo. Imitação contraditória de uma criança proibida de brincar, brincando a respeitar essa proibição: brincando a não brincar. Não finge, finge-se; não imita, imita-se . Se que é a palavra; a  palavra que todas as palavras dizem, assim dizendo o mesmo: a Palavra Eu.

Tal como o adulto é apenas a criança que finge não o ser, assim, também, a reflexão é a imitação contraditória.

 

 

 

O espelho é a metáfora da identidade, princípio da lógica aristotélica: no espelho, o objecto é igual a si mesmo.

 

 

A eterna criança, o poeta, não se vê nos espelhos. Sem imagem, a palavra imita o silêncio do ser.

 

 

Como sinal, a palavra implica outra coisa. Como sinal, a palavra nega-se coisa. Sem uma coisa não há outra coisa: outra coisa implica a palavra como coisa. Mas a palavra como coisa não assinala coisa nenhuma; nenhuma coisa é outra. Como coisa, a palavra não diz outra coisa. Como coisa, a palavra é a coisa que se diz. Mas, coisa que se diz, a palavra que diz aliena-se na palavra dita: a coisa-palavra nega, como coisa que é, genericamente, a palavra que é, especificamente. – Etc.

Dizer é não-ser. Não-ser é o ser do dizer. O ser do dizer é contraditório.

 

 

Mesmo o passatempo, que é todo o fazer, é palavra. Oh absoluto logos – no estado lógico !

 

 

A noção de coisa-palavra é já, ela mesma, por ser ilógica, uma noção poética.

 

 

A palavra poética nem diz que se diz nem diz que se não diz. Irreflectida, não diz o seu dizer.

É, ainda, a palavra lógica que se contradiz ao dizer a palavra poética.

 

 

Estar saturado da palavra é, ainda e só, palavra. Palavra lógica.

A palavra poética exige, para ser, não ser da palavra. Este ser inconsciente da palavra poética é o silêncio. Anónimo.

(-Ah como eu gosto do sabor da palavra “palavra” e do contraditório nome de “silêncio” ! )

 

 

A palavra poética diz-se não se dizendo. Diz-se no sentido em que o dizer automático se diz; mas não se diz no sentido em que dizer-se seja dizer a imagem reflectida.

A palavra poética é a palavra inocente. A palavra inocente é a palavra que não se vê ao espelho. Não fala de si.

 

 

A escrita poética é escrita automática: o poeta é um médium. Como a pitonisa, não pensa o que diz: verdade delirante.

 

 

O poema transita o poeta que, por isso e para isso,estará em transe. Transe é, pois, o estado natural do poeta. E o mesmo é dizer que o poema transita o poeta e que o poeta medita o poema.

O poema não é redacção mas, sim, ditado. Per musica.

 

A palavra poética prepara: é advento, adagio do silêncio –que não diz seu nome, sob pena de contradição.

Logicamente, todas as palavras dizem o mesmo e o mesmo, que todas as palavras dizem é (a palavra) eu.

Poeticamente, todas as palavras dizem o mesmo e o mesmo, que todas as palavras dizem, é o ser inocente – inconsciente --  de ser palavra sem (a palavra) eu.

(Ser inocente é ser plenamente, ser plenamente é ser inconsciente de ser e ser inconsciente de ser é ser sem ser eu.)

Só logicamente, a palavra contradiz. “Dizer” é já palavra reflectida.

A reflexão da palavra lógica é o sucedâneo prometeico da inocente automatia da palavra poética, canto de Epimeteu.

A coisa-palavra ignora a palavra “coisa”. E a palavra “palavra”.

 

 

Não é o que pode ser dito que não é palavra mas, sim, o que não pode ser dito.

Poder ser significado é poder ser palavra, poder ser lógico.

Aquela experiência que não seja redutível a uma experiência lógica é, ainda logicamente, uma experiência silenciosa.

Ora, se o ser (da) palavra - o ser lógico - é o ser do não-ser  ou ser contraditório, só a experiência  silenciosa (ou seja, mística) é experiência do ser, idêntico e pleno, e só a experiência do ser, idêntico e pleno, é experiência silenciosa.

Silêncio, templo do ser.

 

 

 É preciso calar aquilo de que não se pode falar. Assim termina o Tratactus Logico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein.

Em lugar de “falar” eu diria dizer: falar é o modo fonético de dizer; outro modo é escrever que não é falar mas, sim, grafar. Não se confundam ouvido e vista. É preciso calar aquilo que não se pode dizer.

Ora, calar não é fazer o silêncio. Não é uma atitude mística. Calar é pensar sem “volume” (fonético e/ou gráfico). O pensamento é a palavra muda (e/ou invisível) e pensar é dizer sem “volume”. Dizer virtualmente.

Calar não é limiar do silêncio. É pela mudez da reflexão que o logos principia. Calar é predizer. A palavra muda vem antes e não depois da palavra dita: o pensamento é o feto da palavra lógica; gestação do discurso.

Se a palavra lógica é calada antes de ser dita, a palavra mítica i. é, poética é só dita –porque ditada e meditada. E o silêncio não se cala nem se diz.

 

 

Ouvido: sentido da poesia: música da palavra.

Vista: sentido da lógica: plasticidade da palavra.

 

 

É preciso não dizer aquilo que não se pode dizer, ou seja, é  preiso não dizer o indizível, ou, ainda, é preciso não cair em contradição. Sob estes ou quaisquer outros enunciados, trata-se de um princípio lógico, logo, de um axioma, logo, de uma tautologia.

 

 

A propósito de meditação poética:

O poeta, pelo menos na cultura de raiz greco-latina, encontra o seu paradigma no mito de Orfeu. Orfeu é o médium, o intermediário que medita o poema ditado; por outras palavras, que expira o poema inspirado. A meditação, que é a função do médium - do poeta -, é mister de intermediação. Assim sendo, o poeta tanto é leito do rio como ponte entre as suas margens. Qualquer que seja a metáfora, Orfeu media – medita.

-Mas quem me dita o poema ditado ? –Mistério do mister de poeta. Dos mistérios de Orfeu. Apenas uma pista: o poema é a palavra autónoma que se dita, per musica.

 

 

Nada pode fazer o silêncio. O silêncio não se faz – acontece. Fazer é dizer com o corpo. Por exemplo, com as mãos. A acção é uma lógica corporal, física e o acto é a palavra de facto.

 

 

Toda a experiência é, metaforicamente, sabor: dá-se dentro da boca, da boca não se dando para fora. Sem metáfora: toda a experiência é ilógica, mesmo a experiência da palavra discursiva – experiência lógica.

A palavra da experiência da palavra é, já, outra experiência: experiência da experiência da palavra, experiência reflexiva e “viciosa”. Mas é ainda logicamente que a experiência é, pelo menos e fundamentalmente, experiência ilógica.

Ainda logicamente porque ilogicamente não há experiência de  coisa alguma e nem sequer alguma experiência. E se, logicamente,, qualquer experiência é ilógica,, a palavra será, apenas, uma experiência sem palavra, o logos será, apenas, uma experiência ilógica.

 

 

Que o pensamento é palavra e que o conhecimento é experiência, duas tautologias simplificativas. Ambas prescindem da palavra – e da experiência-da-palavra “eu”.

O “eu” é, ainda, experiência e experiência lógica. A experiência, por sua vez, é, ainda, palavra. E a palavra, por sua vez, é, simplesmente, uma experiência – que é palavra.

 

 

Ninguém diz. Ninguém sente. Experiência e palavra são, apenas, o acontecimento da negação do silêncio. Mesmo a experiência que, sendo “experiência” palavra, não é experiência e que, sendo palavra “silêncio” não é silêncio. – Contradiction oblige.

E, sendo a experiência (uma) palavra e sendo a palavra (uma) experiência, o mesmo é sentir e dizer, - conhecer e pensar.

A experiência que não seja lógica, a experiência ilógica não é experiência nem lógica. Assim, logicamente, toda a experiência é experiência lógica. Assim também, e mesmo assim logicamente, toda a experiência lógica não é experiência, nem sequer experiência lógica. – Necessidade lógica (do princípio) da contradição.

 

 

A via negativa não deixa de ser via por ser negativa. Contradizendo-se, por essência, ela é a via da contradição: a contradição é, ainda, dicção – ainda lógica e a lógica da contradição não deixa de ser lógica por ser contraditória. (“Contradizer” é dizer contra.)

Aliás, toda a lógica é dialéctica: a palavra não diz; contradiz. A dialéctica é, ela mesma, dialéctica: a contradição é, ela mesma, contraditória; não-dizer é dizer que não se diz. A identidade habita a contradição: identidade na  contradição.

 

 

No princípio, era a memória. Princípio lógico – e não, apenas, psicológico ou histórico.

É já de noite que o dia existe. Logicamente, conscientemente. Como  palavra e como experiência. Experiência é já o termo de uma reflexão lógica.

Logicamente, ser é existir e existir é ser de memória.

Ser de memória é ser como não sendo; aparecer no desaparecimento; ser de ser palavra em seu próprio dizer contradizendo.

 

 

Que tudo seja palavra enquanto e só enquanto for significado da palavra e a palavra for significante; que tudo seja palavra enquanto e só enquanto pensado: falado ou escrito; que tudo seja lógico enquanto e só enquanto lógico; que tudo seja imagem da palavra reflectida enquanto e só enquanto a palavra for palavra reflectida: quatro enunciados da mesma tautologia.

Lógica é a relatividade lógica; lógica é a relação. E lógica, ainda lógica é a hipótese do ilógico, isto é, do silêncio. – Ou não é hipótese e é outra coisa, outra coisa que não é outra nem coisa porque não é lógica e que, por isso mesmo, também não é ilógica.

 

 

...Que nada é lógico – ou ilógico enquanto e só enquanto, anonimamente for silêncio.

Enquanto lógico, o silêncio não é lógico; enquanto ilógico, o silêncio nem é lógico nem ilógico.

Tautologia enquanto palavra (“silêncio”), o silêncio não é (a) palavra (“silêncio”); enquanto não-palavra (“silêncio”), o silêncio nem é (a) palavra (“silêncio”) nem aquilo que não é (a) palavra (“silêncio”).

Logicamente, o ilógico é, ainda, lógico. Ilogicamente, o ilógico não é lógico nem ilógico.

 

 

A gente ri-se e toma por semi-louco quem fala só. – Mas não será o mesmo escrever só ?

Escrever só – escrever para a gaveta: a racionalização de falar só; o mesmo, todavia disfarçado, dissimulado. A máscara é o axioma da duração da palavra escrita, da possibilidade de uma leitura futura e, logo, de um eventual futuro “êxito” (ingl. Exit : saída) da solidão, de um eventual adiamento da morte, estação do esquecimento, de um prolongamento da vida na eventual memória do outro como sobrevivente a prazo. (Memória do sabor de um amigo que lê.)

- Mas se a neurose, irrisória ou não, for, sim, dessa gente, cega gente que não vê ser tudo quanto se faz tão somente passatempo?

 

 

Meu corpo, o corpo da minha experiência, corpo de memória, mar de matéria viva, prisioneiro agitado da “fôrma lógica”, terra palavra que resiste e persiste. Precariamente...

 

 

Na terceira pessoa, não  aparece a comparação. Na terceira pessoa não aparece o sofrimento. Na terceira pessoa, não aparece a dualidade. Na terceira pessoa, não aparece nem diferença nem igualdade.

Na terceira pessoa, o ser é: unidade e originalidade da unidade.

Na terceira pessoa, mesmo a palavra é silêncio.

Por trás da terceira persona respira aquilo que é primeiro e não é persona. Silêncio que fala na terceira pessoa.

 

 

O poeta morre quando põe o prazer fora do recreio da sua recriação.

 

 

A poesia é a combinação alquímica da mediunidade, do sonambulismo e  do funambulismo: o poeta é um funâmbulo na sua corda bamba cujo percurso, “arriscado” constitui o “risco” do poema; o sonambulismo é o estado-condição sine qua none do equilíbrio do funâmbulo; a mediunidade (ou transe) é o modus faciendi do poema. Finalmente, a corda bamba é o “suporte” (ou matéria ou, ainda, o instrumento) do poeta no exercício (“arriscado”) do poema: a palavra (e/ou seus sucedâneos).

 

 

A loucura é a incapacidade de representar, como o louco é o homem incapaz de o ser por ser incapaz de ser actor. Que o homem é, essencialmente, actor, sendo pois o actor o homem que se interpreta.

 

 

O desejo é a falta do prazer. O prazer adiado no projecto. E o projecto projecta o projéctil que assassina o poeta.    

 

 

A valoração negativa da morte e a sua associação com a inconsciência são as premissas da valoração negativa do inconsciente, conceito axial da metapsicologia psicanalítica.

A psicanálise é “maiêutica” e Freud, um socrático parteiro.

Socrática “ironia” essa de predicar a consciência com a indimensionalidade do ponto, a intemporalidade do instante, a irracionalidade do presente !

- Pois não consiste a ironia em atribuir à noite os predicados do dia ou vice-versa ?

 

 

A metalógica, a palavra da palavra, o logos narcísico é  o discurso da solidão inconformada.

 

 

Se a coerência entre atitude e palavra (ou pensamento com “volume”) fosse, da palavra, emanação automática, a palavra da ilogicidade da palavra metalógica determinaria, automaticamente, o acontecimento do silêncio, só ele deveras metalógico – logicamente...

Todavia, a palavra não é agente. As atitudes são, elas mesmas,   metalógicas, isto é ilógicas. A coerência, essa, não é metalógica: ela é intra-lógica, a própria lógica do logos.

Tal como o sabor não existe fora da boca, a coerência não existe fora da palavra.

 

 

Aceitar não aceitar. Esquecer o próprio esquecimento.

Assim, ser será sofrer mas não, reflectir o sofrimento.

 

 

A necessidade de comunicação - a necessidade lógica - é consequente do sentimento de solidão, ou seja, do pesadelo da falta de ser.

Sentimento da contradição lógica no pesadelo do ser. Pesadelo do ser no ser do não-ser. Ser do não-ser no ser lógico, no símio gramático, no homem.

Palavra do pesadelo da palavra.

 

 

Cultivar a comunicação, cultivar o diálogo, a discussão “iluminante”, o ser-para-outrem, cultivar a dialéctica, a contradição, a polémica, a simultaneidade dos discursos, o palratório “democrático”, o direito à palavra – enfim, cultivar o logos: cultivar o pesadelo da contingência, da falta de ser; cultivar o infernal coro do eu.

Inversamente, cultivar o silêncio é cultivar o ser sem sombra de não-ser e, por isso mesmo, plenamente ilógico.

 

 

A palavra e o acto. O dito e o facto. Pensar, dizer – e agir, fazer.

Muito embora a palavra possa participar do acto, logicamente, não há meio termo entre o dito e o facto.

 

 

A poesia é o areal da palavra à beira-silêncio. A palavra discursiva (o logos) é terra; silencioso (mysticós) é o mar. A poesia (o mythos) não é terra nem mar: é pedra feita areia pelo mar.

 

 

Eu já não sei se sofro apenas porque perdi um guarda-chuva ou se, por atribuir um valor positivo ao ser e negativo ao ter. Sofro, também e sobretudo, por julgar imperfeito e desgostoso sofrer por ter perdido alguma coisa.

De qualquer modo, o ser do sofrimento é o ser do valor.

 

 

A palavra (sempre a palavra !) é um círculo fechado.

O ser da palavra, o ser lógico, é totalitário: aquilo que seja pensado, dito ou calado, é, total- e somente, palavra. Por isso, tudo aquilo que seja pensado e/ou dito não é aquilo que é, não sendo palavra. Por isso, a palavra não diz aquilo que não seja palavra, isto é, outra coisa: outra coisa que, pela palavra, é, necessariamente, contradita

 

 (seleção 2)

 

 

 

Palavra muda, como se fora escrita. Para o fazer, encher uma caneta. E atirar para o ar um disco de Satie.

Depois, escrever isto mesmo por haver esquecido o que fora mudez, como se fora escrita.

 

 

Se o recreio é o lugar da recriação que a poesia seja, toda a poesia é brincadeira e, como tal, ligeira e todo o poeta é jogador e, como tal, criança.

 

 

Poesia: paignia. Paignia: paignose.

Recriação, a poesia é brincadeira. Brincar é conhecer.

Conhecer é recriar: conhecer é conhecer-se: recriar é recriar-se.

Recriar-se é a modalidade poética do conhecimento. A maneira como conhece uma criança.

Conhecer é conhecer-se e conhecer-se é conhecer o ser.

Conhecer o ser é ser o ser; ser o ser é, simplesmente, ser. Conhecer é ser.

A poesia é a modalidade infantil do ser: o ser-saber que se recria na recriação de saber-ser.

 

 

Falar ou escrever não é pensar em voz alta ou por escrito. Mas pensar em voz alta ou por escrito é, somente, falar ou escrever. Porque o  pensamento é, somente, palavra muda e invisível. E não por ser a palavra a existência do pensamento mas, sim, a sua essência.

O pensamento é, somente, a existência sem “volume” da palavra: crisálida da palavra em seu casulo.

 

 

O pecado original, isto é, a experiência da falta, isto é, o desejo –falta e desejo de ser.

Por quê e para quê: a interrogação lógica, o logos do pecado original, a origem do pecado  lógico; o aparecimento (logicamente legitimado) do (conceito de) não-ser, a fórmula e o passaporte do pesadelo dialéctico – o princípio da filosofia e o fim da poesia: a morte de Epimeteu às mãos (inquisitoriais) de Prometeu, o insatisfeito.

 

 

O pecado original consiste no fenómeno óptico da reflexão, ou seja, na identificação comigo daquela figura do outro lado do espelho. –Narciso pecaminoso versus Narciso inocente, que se toma por outro graças á sua ignorância (do fenómeno) da reflexão. –Pois não é o fruto do pecado a maçã do conhecimento ?!

 

 

Originalmente, a filosofia é física como físico é o sentido literal de “reflexão”.

 

 

O único valor que o acto de escrever pode ter é o valor do seu prazer. Prazer do escritor, prazer do leitor; só do escritor, de um só leitor –o prazer, porque radicalmente ilógico, não é comparável, não sendo, pois, quantificável e descriminável conforme o seu sujeito.

Mas, sem o prazer de escrever, o escrito não pode dar o prazer de ler. Ler é reflectir o que se dá na escrita. Se a escrita é espontânea, automática, inspirada, - a leitura sê-lo-á também. Se, pelo contrário, a escrita é forçada e penosa, a leitura também o será.

Em contrapartida, o prazer de se escrever não depende do prazer de ler, nomeadamente, de por outrem ser lido. Aliás, o desejo de ser lido ensurdece o poeta para o canto, como tal pondo fim ao prazer de escrever, como tal dando início à escrita forçada e penosa.

 

 

O desejo sexual é o desejo propriamente dito, o desejo “em carne viva”, o desejo-padrão, o desejo sem metáfora. Todos os outros são suas derivações, seus sucedâneos, suas representações disfarçadas, mascaradas, metafóricas, suas sublimações. Original- e essencialmente, todo o desejo é sexual, de modo explícito ou não.

Mas, também e inversamente, a sexualidade é, original- e essencialmente, desejo, desejo que é a própria existência da sexualidade, (da libido).

Assim, se todo o desejo é, essencialmente, sexual e toda a sexualidade é, existencialmente, desejo, a extinção do desejo implica a extinção da sexualidade e, se o desejo é a vera causa do sofrimento (como insatisfação, ansiedade, falta de ser), a libertação do sofrimento implica a castidade ou, falando cruamente, a castração (ainda que atitude e não facto físico).

Por certo, todo o discurso cultural que, religiosa- ou, apenas, eticamente, exalta o sofrimento, exalta, simultânea- e inconscientemente, o sexo e é, na sua origem, o discurso do “complexo de castração”. Mas, também agora inversamente, a exaltação consciente do sexo é a exaltação inconsciente do sofrimento. De ambos os discursos, a mola real é o pavor infantil da castração.

 

 

O princípio do prazer não é o desejo pois que o desejo é desejo do prazer e, como tal, implica, na sua própria génese, a  memória do prazer.

O princípio do prazer é o próprio prazer como descoberta do seu próprio corpo. Descoberta do corpo, descoberta do tempo na efemeridade do prazer e, logo, descoberta da morte como síncope abissal (que o orgasmo é), descoberta da absurda insatisfação que, sisificamente, sempre sucede ao prazer instantâneo como desejo amnesicamente repetido, descoberta da necessidade como sujeição fisiológica, descoberta da falta de ser – ou “pecado”, em suma, descoberta da condição humana como animal  que somos.

O desejo é, paradoxalmente, amnésico desejo da repetição do prazer pela memória do prazer. Passado e futuro como aquilo mesmo que é presente e, pois, presente ausente. Condição de ser falta-de-ser, sendo pesadelo de não-ser, o desejo é a própria experiência da contradição e, como tal, origem da palavra.

 

 

Se o desejo - todo o desejo - é desejo de repetição do prazer, se a especificidade do vício é a repetição indefinida, circular, absurda e se todo o prazer e todo o seu desejo é prazer e desejo, original- e essencialmente, sexual, então todo o prazer, assim como todo o (seu) desejo, é viciosamente circular, todo o vício é, implicita- ou explicitamente, sexual e toda a sexualidade é circularmente viciosa.

 

 

Todo o desejo é frustrado porque todo o prazer é frustrante: a frustração do desejo é a efemeridade essencial do prazer.

O desejo é desejo de repetição do prazer porque o prazer é mortal e a repetição do desejo resulta da sua própria frustração: o desejo, todo o desejo é idealização do prazer perfeito ou seja, da contradição do próprio prazer que é, essencialmente, imperfeito.

 

 

O homem é, por essência, o ser dizente, dizente da palavra; o ser da palavra, o ser lógico –e não o ser pensante pois que o pensamento é, somente, a palavra emudecida e a palavra muda é a palavra contraditória (sendo aquilo que se diz, não se diz) e a palavra do não-ser (a palavra com falta de palavra).

A lógica do pensamento é ser dito; falado ou escrito. Essa é a sua razão de ser, a sua finalidade, o seu sentido e, como tal, se justificam as acções de falar, escrever e o acto de dizer.

- Se bem que a palavra poética (ou mítica) ignore qualquer necessidade lógica de justificação: sendo, por essência, inspirada, automática, espontânea, por essência não é pensada e, não sendo pensada, é inocente do pecado lógico.

 

 

É necessária autorização para ser: princípio da sociedade. Por  contraste, a liberdade é ser sem precisar de autorização. Mas essa autoridade é em nós, verdadeiramente, que a devemos procurar para a perder.

É no fim do eu que principia a liberdade.

 

 

A morte é inconcebível, literalmente inconcebível: conceber é gerar e só se gera a vida.

Sendo aquilo que é concebido mas sendo, também, aquilo que concebe, a vida concebe-se. - Como a palavra se diz.

 

 

A solidão é o sentimento da falta de ser, sentimento do pecado ontológico, pesadelo do ser-lógico.

 

 

O medo é a outra face do desejo. Como o sofrimento é a outra face do prazer.

 

 

A pimenta e outras especiarias similares ditas “picantes” são, apenas, aperitivos que abrem o apetite para os frutos proibidos, desse modo servindo de justificação “orgânica” à transgressão.

Posteriormente, e por virtude dessas “pimentas”, os frutos proibidos a que abrem o apetite são legalizados, desaparecendo, pois, a interdição inicial. Pelo que tais aperitivos foram elevados à categoria de “especiarias”.

Proibidos continuaram os frutos sem aperitivo justificante.

 

 

(Instantâneo)

Meu lugar é um canto almofadado.

Ninguém mais      ouve o canto      ali sentado.

 

 

Só por comparação se pode ser falhado. Só por comparação se pode ser substância de qualidades, substantivo de adjectivos, sujeito de  nomes predicativos. Só valendo mais ou menos se pode valer e só valendo, o ser pode ser eu: sonhar o pesadelo de não ser.

Comparo, logo sou. - E que sou eu ? Sou uma “coisa” que sonha não sonhar.

 

 

Chega a ser espantoso que baste suprimir a comparação, pela supressão da memória, para que, da mesma feita, se suprima o eu, a consciência, a subjectividade; o valor, a vanidade, o prestígio, a inveja, o gosto (ou desgosto) de Narciso; o pesadelo da falta, o desejo e o sofrimento da sua frustração.

No princípio, era a comparação. E a comparação se fez lógica e habitou entre nós.

 

 

A comparação é o princípio da dualidade. E a dualidade é o princípio do sofrimento.

 

 

Viver é tão simples – e tão difícil como isto: distrair-se da morte por não querer morrer. O jogo da vontade negativa.

 

 

A morte é o inevitável que não se quer. O que não significa, necessariamente, que se queira viver mas, sim, que a vida é essa mesma vontade negativa do impossível e, como tal, o princípio modelo da tragédia.

 

 

Morrer é deixar de ser-para-a-morte, passando a ser-morto, ou seja, ser-para-outrem excclusiva- e plenamente, ser objecto sem sombra de ser-para-si, ser-em-si sem sombra de consciência. A morte é, assim, o preço que se paga para, finalmente, ser-em-si que é o ser sem consciência de ser: a coisa.

 

 

Deus é sinónimo de morte.

E é por isso que ser religioso implica aceitar-se morrer.

 

 

A pulsão de morte é a pulsão contra a diferença.

O diferente é aquilo que, por princípio instintivo, deve ser destruído.

 

 

O idêntico é aquilo que, por princípio instintivo, deve ser amado.

A pulsão de vida é a pulsão pela identidade.

 

 

Extinta a comparação, extingue-se a diferença: não  há diferença sem comparação.

Extinta a diferença, extingue-se a lógica: não há lógica sem diferença; a palavra discursiva é, essencialmente, dialéctica.

Extinta a diferença, extingue-se a consciência: não há consciência sem diferença; a subjectividade é, essencialmente, dialógica.

Extinta a comparação, a diferença, a palavra, a consciência, o ser será em si mesmo: uno e único, silencioso, inconsciente.

Para o ser da comparação, da diferença, da palavra, da consciência – para o ser do pesadelo do não-ser, o ser-em-si, uno e único, silencioso, inconsciente, é o ser-diferente, o outro-ser, o ser sem falta de ser – e “deus” ou “morte” foram os nomes que a palavra discursiva lhe deu.

 

 

(Instantâneo)

Dou corda e acerto o relógio parado

Pelo sol da tarde      no divã pousado.

 

 

Há o amor como estado e há o amor como sentimento.

O amor como sentimento é, essencialmenre, narcísíco: ninguém ama ninguém mas todos gostamos de ser amados.

O amor como estado é estar em amor; estar em amor é ser amor e ser amor é não ser eu, não ser para si mas, sim, ilogicamente, ser em si. Todavia, “ser” e “ser-em-si” tal como “compreensão”, “contemplação”, “união”, “unidade”, “silêncio”, por exemplo, não passam de palavras que, logicamente, querem determinar e qualificar aquele estado que, para começar, não sendo lógico nem sequer “estado” pode ser.

Por isso, a única coisa que se pode dizer do amor como estado é que isso não é nem “amor” nem “estado”, - nem “amor como estado”.  Nem “isso”.

Contradição, sim, mas só aparente.

 

 

O pensamento é a frustração da palavra.

Falada ou escrita, por instinto essencial, a palavra quer ser dita.

 

 

Na solidão se aprende a não ser eu.